Pode ou não comer

Jesus chegava à cidade de Genesaré após andar sobre as águas do grande lago que, por vezes, foi designado com o mesmo nome desse lugar nos relatos bíblicos, momento em que religiosos de Jerusalém questionaram-no sobre a não observação da tradição dos anciãos por seus discípulos (BÍBLIA, Mateus, 15, 1-2; Marcos, 7, 1-5).
A pergunta correspondeu aos aprendizes de Cristo comerem sem, antes, lavarem as mãos. A citada lavagem é cerimonial no judaísmo e torna-se observada nessa religião ainda hoje, independente de estarem limpas as mãos dos que se alimentam. Nesse ínterim, a resposta de Jesus foi incisiva aos fariseus e aos escribas no dizer (BÍBLIA, Marcos, 7, 6-9, grifos nossos):
Bem profetizou Isaías a respeito de vós, hipócritas, como está escrito: ‘Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens.’ Negligenciando o mandamento de Deus, guardais a tradição dos homens. E disse-lhes ainda: Jeitosamente rejeitais o preceito de Deus para guardardes a vossa própria tradição.
Embora Cristo tenha explicado o teor de seu ensino para a multidão de acordo com os versos seguintes no livro de Marcos, capítulo 7 – com correspondência também no indicado relato de Mateus – os discípulos questionaram sobre o que a instrução significava tão logo chegaram à casa em que estavam alojados. Diante disso, expôs Jesus:
Assim vós também não entendeis? Não compreendeis que tudo o que de fora entra no homem não o pode contaminar, porque não lhe entra no coração, mas no ventre, e sai para lugar escuso? E, assim, considerou ele puros todos os alimentos. E dizia: O que sai do homem, isso é o que o contamina. Porque de dentro, do coração dos homens, é que procedem os maus desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios, os adultérios, a avareza, as malícias, o dolo, a lascívia, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Ora, todos estes males vêm de dentro e contaminam o homem. (BÍBLIA, Marcos, 7, 18-23, grifos nossos).
A liberdade que o Senhor Jesus concedeu ao cristão excede qualquer rigor ascético, apregoado como se verdade fosse – o qual, consoante o Oxford Languages, ([1998?]), diz respeito à austeridade alimentar e/ou comportamental como caminho imprescindível para se chegar a Deus. O ascetismo é doutrina humana, irmãos, que, em nada, aproxima o homem do Criador, pois inexiste amparo bíblico, tanto vetero quanto neotestamentário, de que a fictícia purificação do corpo pelo próprio homem possa purificar a alma igualmente.
Paulo foi instruído pelo Espírito Santo para discorrer sobre o tema na primeira carta dirigida a Timóteo, haja vista a percepção divina sobre o que aconteceria quanto a alguns obedecerem a ensinos de demônios nos últimos dias:
Ora, o Espírito afirma expressamente que, nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos enganadores e a ensinos de demônios, pela hipocrisia dos que falam mentiras e que têm cauterizada a própria consciência, que proíbem o casamento e exigem abstinência de alimentos que Deus criou para serem recebidos, com ações de graças, pelos fiéis e por quantos conhecem plenamente a verdade; pois tudo que Deus criou é bom, e, recebido com ações de graças, nada é recusável, porque, pela palavra de Deus e pela oração, é santificado. (BÍBLIA, 1 Timóteo, 4, 1-5, grifos nossos).
O problema, principalmente, no primeiro século, procedeu daqueles que Paulo chamou como provenientes da circuncisão, isto é, dos judeus, os quais agiam com a intenção de enganar a Igreja – não porque fossem débeis na fé, ou porque quisessem agradar ao Senhor com abstenções alimentares, sabedores, no entanto, de que a purificação do homem se dá pelo sangue de Cristo (BÍBLIA, Romanos, 14). Não, mas os falsos mestres agiam como exposto por ganância, com o fim de obterem vantagem:
Porque existem muitos insubordinados, palradores frívolos e enganadores, especialmente os da circuncisão. É preciso fazê-los calar, porque andam pervertendo casas inteiras, ensinando o que não devem, por torpe ganância. Foi mesmo, dentre eles, um seu profeta, que disse: Cretenses, sempre mentirosos, feras terríveis, ventres preguiçosos. Tal testemunho é exato. Portanto, repreende-os severamente, para que sejam sadios na fé e não se ocupem com fábulas judaicas, nem com mandamentos de homens desviados da verdade. Todas as coisas são puras para os puros; todavia, para os impuros e descrentes, nada é puro. Porque tanto a mente como a consciência deles estão corrompidas. (BÍBLIA, Tito, 1, 10-15, grifos nossos).
O rigor alimentar judaico está baseado nos textos de Levítico, no capítulo 11, e de Deuteronômio, no capítulo 14, em que, segundo o teólogo e professor Ryrie (2007, p. 111): “a não obediência a estas regras era pecado. Estas leis serviam para: 1) refletir a santidade de Deus; 2) distinguir o culto israelita das práticas idólatras das nações vizinhas; e 3) ajudar a manter a saúde física.”
Rememora-se a admoestação de Cristo contra Israel no capítulo 7 do livro de Marcos, que enfatizou a sobreposição da vontade humana em detrimento da vontade divina, pois havia negligência dos mandamentos de Deus para que a insolente tradição humana fosse observada. Jesus não repreendeu os religiosos por cumprirem a Lei, mas, sim, por apensarem a ela valores carnais e, por isso, destoantes do que almejava o coração do Altíssimo.
Norma, semelhantemente, suplementar aos ditames da Escritura foi alvo da reprimenda de Jesus em outra ocasião, porque houve usada por religiosos para iludir e subjugar o povo do Senhor como segue: “Na cadeira de Moisés, se assentaram os escribas e os fariseus [...] Atam fardos pesados [e difíceis de carregar] e os põem sobre os ombros dos homens, entretanto, eles mesmos nem com o dedo querem movê-los.” (BÍBLIA, Mateus, 23, 2, 4).
Com o advento do sacrifício substitutivo de Cristo, que inaugurou o Novo Pacto, a Nova Aliança no seu sangue, a questão alimentar ganhou novo sentido para a semente de Abraão, ou seja, para aquele que recebe Cristo como Salvador e Senhor conforme houve apresentado nas citações bíblicas anteriores (BÍBLIA, Gálatas, 3, 7-9). Assim, ressalta-se que todo alimento se tornou puro, mediante o que a Palavra aduz e a oração do justo exercita, bem como que, somente, o sangue de Cristo purifica o homem de seus pecados, haja vista nenhum esforço humano, isolada e carnalmente, ser capaz de o aproximar de Deus (BÍBLIA, 1 Timóteo, 4, 5; Hebreus, 10, 10; 1 João, 1, 7).
Prof. Leonardo Rabelo Paiva
Escola de Formação Cristã - EFC/CEFA